segunda-feira, junho 12, 2006

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Tentei, juro que tentei, nem ler as entrevistas que a tradutora brasileira da série Harry Potter concedeu ano passado, após o lançamento do sexto livro HP & the Half-Blood Prince [HP e o Enigma do Príncipe]. E consegui, num consegui?, com algum sucesso - até hoje. Quando abri a caixa de emeios e deparei-se-lhe com isto [cuidado, pode conter spoilers] tive que desabafar. O que vem daqui pra frente é, portanto, apenas minha opinião pessoal; vou usar trechos da entrevista para comentar em ordem aleatória, sem adiantar grandes revelações da história para quem inda não leu nenhum livro [sim, eles existem, hua].

P: A senhora acha que a preferência de parte do público por manter os nomes no original está ligada à influência do inglês no nosso dia-a-dia e um sentimento de nação colonizada?
R: Tenho a impressão de que as pessoas que insistem nessa tecla não perceberam que o Harry Potter e a pedra filosofal foi escrito para crianças de 7-12 anos que não sabem inglês suficiente para entender o humor que os nomes contêm.

De acordo com a tradutora, não apenas as crianças brasileiras são incapazes de compreender as referências que a autora incluiu nos seus livros mas ainda não são capazes de compreender conceitos matemáticos tampouco. Ou como ela explica "traduzir" platform 9 3/4 por plataforma 9 1/2? Uma das coisas que eu gosto de pescar, em qualquer livro, são as referências e os trocadilhos, coisa de que a literatura de fantasia britânica é pródiga. Outra especialidade da literatura inglesa é não tratar criança como retardadinho que só entende idéias num nível superficial. É possível para um adulto que leia livros ditos "para crianças" encontrar conceitos mais avançados de filosofia no meio de referências históricas e mitológicas, e é isso o que torna algumas obras universais por décadas. Criança pode ler um livro nessa idade de 7-12 anos e, quando reler 15 anos depois, encontrar um livro totalmente diferente caus que agora ela já conhece mais história, outros livros, outras culturas e vai achar as referências que passaram batido quando leu da primeira vez. No caso desse tipo de pensamento da tradutora, entretanto, isso nunca vai acontecer, ela não nos deu opção. Começo a achar que, no fim, as grandes críticas aos livros de JK Rowling no Brasil são devidos à versão tatibitati da tradutora, mais do que à própria qualidade literária da autora.

P: A senhora sente que tem uma vantagem em relação aos tradutores de Harry Potter em outros idiomas pelo fato de Joanne Rowling saber português, ou saber que ela é capaz de compreender sua tradução é uma pressão a mais sobre seus ombros?
R: Tenho uma vantagem: suponho que ela ache a minha tradução suficiente, pois jamais reclamou de deficiência alguma. Nunca fui pressionada pela editora inglesa nem pela brasileira.

J. K. Rowling morou em Porto, Portugal, de 1992 a 1995, época em que foi casada com um jornalista português. [1] Foram menos de 3 anos, e [2] se ela tem algum conhecimento do idioma é totalmente português lusitano e não português brasileiro. É claro que ela não vai reclamar da tradução brasileira, pelo fato óbvio de que não é proficiente na língua. Ela mesma confirmou isso em uma entrevista. Usar esse argumento é quase uma piada de mau gosto.

Além disso, Rowling disse em entrevista que nunca relê seus livros depois de lançados exceto para checar inconsistências no livro que trabalha no momento; duvido que ela leia as traduções, mesmo que ela "saiba" português e francês [é, morou na França também].

P: Como tem sido seu contato com a autora? O glossário de nomes é encaminhado a ela a cada volume para aprovação ou a senhora entra em contato somente quando necessário?
R: Entrei em contato com a autora no primeiro livro; ela me mandou uma lista de nomes e pediu que eu os traduzisse. Pediu o meu currículo e me deu carta branca para recriar. Nunca me pediu explicações posteriores.

Em algumas outras entrevistas, deu-se a entender que a autora teria avalizado as alterações que a tradutora fez em *todos* os livros. Era a resposta-padrão às críticas feitas no lançamento de *todos* os livros da série, repetidamente. Rowling pertence à escola fundada por J. K. K. Tolkien, Douglas Adams e Terry Pratchett: ela cria palavras que não existem em inglês e tem um cuidado grande na hora de compor os nomes próprios. Não acredito que ela saiba que todo esse cuidado é jogado pelo ralo quando muggle, palavra que inventou para designar pessoas desprovidas de magia, vira trouxa no Brasil, palavra que existe e é usada comumente de forma negativa, contrariando a filosofia central de Harry Potter que é a de combater o racismo de parte da comunidade mágica contra os não-bruxos. Ou ainda quando a tradutora optou por excluir a prosódia peculiar de Hagrid, algo que só descobri no sexto livro porque não agüentei esperar pela tradução oficial e que só então trouxe algum sentido para uma passagem do quinto livro que tinha passado batido. As escolhas da tradutora brasileira acabam interferindo no modo como lemos e nas idéias que captamos, algumas [quem sabe muitas] vezes levando para o caminho oposto pretendido pela autora.

Algumas escolhas podem até não interferir, mas tiram parte do prazer lúdico que deveria acompanhar a leitura de descobrir detalhes curiosos como as iniciais dobradas dos fundadores das quatro casas de Hogwarts* [detalhe mantido nos nomes dos professores] e uma seqüência** que pode fazer sentido [ou não] nos títulos dos livros; nessa altura do campeonato eu duvido muito que a editora troque de tradutor, faltando apenas um livro para completar a série. Seria correr um risco muito grande, igual o que a Conrad correu quando trocou o tradutor da série Discworld [que é outro caso decepcionante]. A minha esperança é que aconteça o mesmo que na série Guia do mochileiro das galáxias, que foi relançada por outra editora e com uma tradução caprichada, sem preguiça e sem arrogância, mesmo com prazos curtos. Só que isso levou vinte e poucos anos.

* Nome original = nome "adaptado" para criança que não vai entender inglês
Godric Gryffindor = Godrico Grifinória
Salazar Slytherin = Salazar Sonserina
Rowena Ravenclaw = Rowena Corvinal
Helga Hufflepuff = Helga Lufa-Lufa

** Título original = título brasileiro
The Sorcerer's Stone = A Pedra Filosofal [objeto]
The Chamber of Secrets = A Câmara Secreta [lugar]
The Prisoner of Azkaban = O Prisioneiro de Azkaban [pessoa]
The Goblet of Fire = O Cálice de Fogo [objeto]
The Order of The Phoenix = A Ordem da Fênix [lugar]
The Half-Blood Prince = O Enigma do Príncipe [pessoa, no original]

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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