sexta-feira, abril 09, 2004

Para inglês ver o quê?

Afinal, o que devia ver e quem era o inglês citado na expressão acima que, desde o século XIX, indica uma tomada de atitude apenas na sua aparência ou por mera simulação de quem a pratica?

Na explicação mais antiga para os estudiosos da frase, o inglês era o almirante Jervis, que veio ao Brasil no navio britânico Belford para dar proteção à família real portuguesa que fugia das ameaças dos franceses. Chegando a Salvador no final da tarde de 22 de janeiro de 1808, o rei dom João VI deslumbrou-se com a bonita iluminação da cidade. Falando aos cortesãos que o acompanhavam na nau capitânia, exclamou: "Está bom para o inglês ver". E apontou para o local onde estava fundeado o navio sob o comando do almirante Jervis.

Na versão mais verossímil, porém, o inglês tanto podia ser o governo britânico como os comandantes dos navios dessa nacionalidade que cruzavam os mares para combater o contrabando de escravos. O Brasil firmara acordos com a Inglaterra para reprimir esse comércio ilegal. Apesar dos compromissos, a Marinha imperial vigiava as costas brasileiras com extrema tolerância em relação ao tráfico negreiro. Por isso se dizia que o patrulhamento era apenas "para inglês ver".

Raymundo Magalhães Jr. registra crônica de Machado de Assis, de 1893, na qual o escritor-mor trata de "posturas municipais que têm o sono das coisas impressas e guardadas". E conclui: "Nem se pode dizer que são feitas para inglês ver".

E, já que o dia é de perguntas sobre adjetivos pátrios, por que "o holandês pagou pelo mal que não fez"? No século XVI, os Países Baixos caíram sob a dominação espanhola, e o rei Filipe II nomeou para governá-los o Duque de Alba. A Holanda, país que prezava a liberdade de consciência, havia acolhido milhares de judeus expulsos da Península Ibérica. Por isso, seus habitantes, para o governo espanhol, passaram a ser suspeitos dos mesmos crimes atribuídos aos judeus na época. Numa demonstração de força e crueldade, o duque mandou executar quase 20 mil pessoas no território que administrava. A frase original, aliás, que se estendeu aos naturais dos Países Baixos, era: "Paga o judeu pelo mal que não fez". Holandês, vamos convir, é rima bem melhor para fez...

Eduardo Martins, Revista História Viva n. 5, março/2004, pág. 17, ed. Duetto