terça-feira, abril 06, 2004

A Jardineira e O Morto-Vivo

Na década de 50 uma única jardineira fazia o trajeto Pompéia-Vila Queiroz e era comum ela sair lotada, com as pessoas aboletadas no bagageiro quando não havia mais vagas dentro do carro. Muitas histórias foram contadas sobre essa época, mas uma em especial permaneceu na memória de quem participou dela e até hoje dá muitas risadas quando relembra do fato.

Ônibus cheio esperando no ponto, chega um matuto.

Motorista: - Não tem mais lugar aqui dentro, não.

Caboclo: - Mas eu preciso chegar em Queiroz ainda hoje!

Motorista: - Só se você subir lá no bagageiro.

Caboclo: - Então eu vou, mas vê se não corre muito!

Meio cabreiro por ter que viajar sozinho no capô, o matuto subiu a escadinha do lado da jardineira e, chegando lá em cima, tomou um baita susto: um caixão de defunto que estava sendo levado para um recém-falecido seria sua companhia até Queiroz. Se acomodou meio longe - cruz-credo - e a jardineira tomou seu caminho.

Sacolejando na estrada de terra, logo sentiu os primeiros pingos de chuva. Olhou o tempo fechado e pensou:

- Lá vem água da grossa, e agora? O que eu vou fazer pra não me molhar?

Nisso olhou pro lado e viu o caixão fechado. Ficou cismado, pensou, matutou... Mas uma chuva mais pesada acabou com as suas dúvidas. Abriu a tampa, se acomodou o melhor que pôde e logo cochilou, por causa do balanço da jardineira e do lugar quentinho, ouvindo o barulho da chuva que caía. Nem viu que outros passageiros subiram no bagageiro, estava tão bom dormir ali.

Chegando próximo a Queiroz o caboclo despertou. Não ouvia mais o barulho da chuva, ouvia sim a conversa dos outros. Abriu a tampa e perguntou:

- Parou de chover? Será que eu já posso sair daqui?

Foi um susto enorme, tão grande que os demais saltaram correndo da jardineira ainda em movimento, alguns até se machucando. O motorista não sabia se freava de uma vez, correndo o risco de derrubar os que permaneciam no teto apavorados, ou se ia parando aos poucos, rezando para que nenhum matuto atravessasse correndo na sua frente. Depois de tudo esclarecido e com os ânimos serenados, a viagem prosseguiu sem maiores incidentes, ficando o ocorrido anotado no folclore da cidade.

(1999)