quarta-feira, setembro 21, 2005

Sobre batatas cor-de-rosa e brigadeiros

- Provedor Tuiuti, Luciana, bom dia. Em que posso ajudar?

Lidar com usuários o dia todo é interessante, são vários tipos diferentes e diferentes modos de abordar e reagir.

De manhã ligam os clientes corporativos, as "pessoas jurídicas". Quando era criança achava que pessoa jurídica eram os advogados, os juízes, os promotores... Quem lidava com carros era uma pessoa mecânica, e médico era o homem-que-dói, ou o homem que espeta. Sempre associei dor com médico e gente de branco. Deve ser por isso que até hoje tenho medo de mãe-de-santo.

À tarde e de noite predominam as pessoas físicas. Por que não pessoa-alma ou pessoa-espírito ou, sei lá, pessoa-antimatéria? E por que exatamente física? O mais certo não seria pessoa físico-química? Ou pessoa química-orgânica? Para abreviar podia se dizer: Fulano é uma pessoa orgânica, para diferenciar das empresas, que seriam inorgânicas. Mais esquisitas ainda são as categorias das empresas.

Uma empresa limitada lembra um prédio cercado de muros com placas indicando: "você está entrando nos limites da Fábrica Inorgânica Limitada; ninguém entra, ninguém sai". Já uma sociedade anônima soa como um filme noir, uma empresa que só funciona em noites de neblina, em salas com um vigia na porta que pede a senha pra todo mundo que chega e os funcionários usam codinomes no crachá. E a americana incorporated, incorporada? Mais do que vestir a camisa, quem trabalha numa empresa Inc. carrega ela no corpo, num caso clássico de obsessão. Quando o sujeito é demitido chama-se um padre para exorcizar e depois incorporar aquele pedaço da empresa num novo funcionário.

Outro telefonema me salva de idéias cada vez mais non-sense.

- Lu, minha senha não entra. - Morar em cidade pequena tem dessas vantagens, não existe a profissional Luciana, mas a Lu, filha da dona Therezinha e do Teruo da quitanda. Podem nunca ter me visto na vida mas sabem de tudo a meu respeito, o que automaticamente torna todo mundo amigo de infância.

- Vamos ver o que está acontecendo. - Alguns comandos - Tenta agora.

- Nada ainda. - Hora de cercar o problema, o que às vezes exige uma diplomacia de fazer inveja à D. Lúcia Flexa de Lima, embora nem sempre dê resultado.

- Você pagou a última mensalidade? - Silêncio do outro lado. O departamento financeiro é centralizado em São Paulo e enquanto procuro o número do telefone ouço o pedido:

- Resolve isso pra mim? - É verdade, tem gente que morre de medo do desconhecido do outro lado da linha: trava, gagueja, não entende os procedimentos e no fim culpa o pobre atendente dizendo que ele não resolve nada. Assim, já fui Suely, Danielle, Ana Laura, Cidinha, Fátima e uma vez até fui Eduardo. Um psiquiatra se deliciaria com esse caso de personalidade múltipla: quem é você hoje?, ele perguntaria. Bem, doutor, hoje eu sou uma planta. [Espanto] Sou uma batata rosa. [Mais espanto] Acho que ele nunca teve uma paciente batata, quanto mais cor de rosa. Na verdade, ele nunca deve ter * visto* uma batata cor de rosa, o que torna tudo muito mais engraçado.

- Lu, não consigo ver meus e-mails direito! Vou jogar esse computador no lixo, eu estou irritado! - Reconheço a voz sem que ele precise se identificar. É o dono do bufê mais famoso da cidade, um cara alegre e divertido.

- Mas como assim? - Ás vezes fico perdida com os problemas que aparecem - Você não consegue baixar os e-mails, é isso? Como tá a sua configuração SMTP? [E às vezes sou cruel. Só de vez em quando, mas sou]

- Não, menina... As mensagens ficam todas pela metade, faltando letra do lado direito, a tela tá torta, e até aquela barrinha que rola pra cima e pra baixo sumiu, você sabe qual é, né? - Continuo perdida. Segue-se uma discussão altamente técnica onde os termos mais comuns são 'coisinha' e 'quadradinho'. No desespero, chuto.

- Experimenta dar dois cliques na barra azul-escuro lá em cima, onde tá escrito... - Bingo!!

- Ah, que maravilha, apareceu tudo! Olha só, estou preparando uns brigadeiros pro aniversário da Fulana, depois deixo uma dúzia pra você.

Desligo o telefone. Ganhei o dia.

* Publicando em algum momento entre 2001 e... err... bão. No 700km.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Pois saí recentemente da idade da pedra, e ainda uso termos como "flexinha", Treco", "botão que pisca", "palavras em azul", e por aí afora. Pra dizer a verdade, eu ainda não sei o que é roda. Fogo? Aí já está me chamando de "Lucy"...e com toda a razão!

3 de fevereiro de 2009 às 12:57  

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