quarta-feira, fevereiro 16, 2005

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Voltei a mirar a fotografia de um homem de cabelos lisos, sorrindo para a lente da câmera, o braço esquerdo em volta da cintura de uma menina loura com os cachos presos em dois rabos-de-cavalo, de pé sobre um degrau.

-- Foi no dia da minha comunhão -- ela depositou a bandeja com o café e biscoitos sobre a mesinha de centro, afastando no mesmo movimento o vaso de violetas e o cinzeiro de cristal amarelo, vazio.

-- Era irmão de seu pai ou sua mãe?

-- Era enteado de meu avô. O pai de minha mãe casou-se dois anos depois que minha avó morreu, e era filho da segunda esposa, que também era viúva. Não era meu parente de sangue, você sabe. Não tenho outros parentes.

D. Agripina tinha 12 anos quando seu tio foi dado como morto, cinqüenta e oito anos antes. Durante meses a polícia de toda a região procurara por uma pista, um suspeito pelo crime, mas o fato de nunca encontrarem um corpo atrapalhou a investigação, que terminou arquivada como "desaparecimento".

Na época ele era noivo de uma jovem, filha de família imponente na cidade vizinha. Falaram em bandoleiros na estrada, em ataque cardíaco no trajeto entre as cidades. Dragaram o rio que dividia a estrada e, por fim, espalhou-se a notícia de que a noiva o traía com um empregado da família. Saíra, então, pelo mundo para não encarar a sociedade da época.