segunda-feira, fevereiro 14, 2005

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-- Era tão moço -- suspirou -- e tão bonito.

As palavras de D. Agripina mal penetravam em meu cérebro enquanto virava as páginas do álbum de fotografias.

-- Morreu de quê, D. Agripina?

Os olhos, era isso. Mesmo através das fotos em preto-e-branco, muitas quase desbotadas, era possível perceber que eram olhos tristes. Olhos que encaravam diretamente a lente da câmera

-- Ninguém sabe, filha. Um dia apareceram em casa, a polícia, um - como eles se chamam hoje em dia? Investigador, e um policial. É isso o que você faz, filha?

Um leve toque diferente na voz. Curiosidade - medo? Ainda não me acostumara.

-- Faz tempo que saí da polícia, D. Agripina. Não nasci pra isso.

A velha senhora de olhos azuis e vestido florido sorria na cadeira de braços forrados com peças de crochê. Levantou-se e foi em direção à cozinha. Aproveitei e corri os olhos pela sala. A casa bem arrumada era simples e pequena demais para o dinheiro que a família tinha. "Teve", me corrigi. D. Agripina era a última descendente de uma família que perdeu todo o dinheiro e o poder que dominou a cidade por mais de setenta anos. Parte deste passado estava presente na sala abafada, lotada de retratos e móveis pesados, escuros.