segunda-feira, setembro 08, 2003

A Espada e O Poder

Sete das cartas de Platão, entre as 13 que nos ficaram dele, tratam de suas frustradas intervenções na política de Siracusa.

O filósofo fora, pela primeira vez, à Sicília, em 387 a.C., durante o reinado do Dionísio, o Velho. Deste Dionísio, restou-nos um retrato dramático, por Cícero, no livro V de suas Tusculanes, onde se relata o tão célebre caso de Dâmocles.

Dâmocles era um dos aduladores do tirano, que submetera Siracusa ao peso de um jugo intolerável. Felicitou ele, certa vez, Dionísio, pelo seu poder, por suas tropas, pelo brilho de sua corte, e a magnificência de seu palácio, dizendo que nenhum outro príncipe havia tão feliz.

Dionísio, então, lhe perguntou se não queria provar um pouco daquele fausto, colocando-se em seu lugar. E o fez reclinar-se, coroado, em um leito de ouro, sobre tapetes riquíssimos, com perfumes e incensos, junto a uma mesa com as mais finas iguarias, rodeado por um sem número e escravas solícitas.

Segundo Cícero, Dâmocles estava se imaginando o mais afortunado dos homens quando, em meio ao festim, percebeu, por sobre a cabeça, uma espada nua que Dionísio fizera pendurar ao teto, sustentada por uma simples crina de cavalo.

Os olhos do felizardo se turvaram, a coroa lhe caiu da cabeça, suas mãos nem ousaram tocar nos pratos. Pediu ao tirano a graça de sair logo dali, não desejando a felicidade àquele preço.

O breve incidente de Dâmocles permite uma reflexão sobre a natureza do poder político, de certo poder político. O que Dionísio pretendeu, com êxito, foi indicar, ao adulador ingênuo, que sua dominação estava exposta a muitos riscos. A espada suspensa ao teto, de maneira tão frágil, é um símbolo que resiste aos tempos, se bem que poucas vezes explicitado, em toda sua circunstância. Sempre expressão de mera retórica, a compor discursos e frases de efeito, nunca enfatiza, verdadeiramente, os perigos do mando sem legitimidade, que é dos dirigentes que não são amados, só temidos. E mais que temidos, odiados.


Fonte: Editoria JT