sábado, setembro 06, 2003

Piramo e Tisbe

Era uma vez um rapaz e uma moça que moravam vizinhos - mas vizinhos mesmo, numa dessas casinhas geminadas da Cohab de parede-e-meia, como a gente diz, um de um lado e a outra do outro lado da parede. Ocorre que naquela época em que as casas foram construídas o governo economizou no material básico e a construção começou a apresentar umas infiltrações, barrigas de jacaré e logo uma rachadura fendeu a parede que separava os quartos de Píramo e Tisbe que, apesar de terem os pais simplesinhos, tiveram a grata sorte de não serem batizados com nenhum nome esdrúxulo de personagem de novela ou coisa parecida. Na verdade nem batizados foram, pois eram pagãos.

A parede rachou, eu já disse? Não o suficiente para que se vissem, porém o bastante para que se ouvissem. E de se ouvirem se apaixonaram e quiseram sair pra curtir as baladas babilônicas. Os pais de ambos não acharam a menor graça na história e proibiram visitinhas, conversê de corredor, namorar no portão e tudo o que demandasse ficar junto. Claro que ninguém foi besta de contar da rachadura; durante a noite os jovens trocavam juras de amor eterno [ah, essa juventude - deixa crescer pra ver o que é bom] e combinaram uma fuga para a primeira noite de lua nova. Marcaram o ponto de encontro com cuidado: uma amoreira carregada de... amoras. Poisé. Faz sentido, não? Amor, amoras.

Naquela época também [isso faz tempo pra dedéu] as amoras não eram vermelhas como as de hoje, eram brancas, e isso facilitaria bastante para eles acharem o ponto de encontro no meio daquela escuridão toda, caso contrário não haveria encontro e baubau fuga romântica. A moça saiu primeiro e sentou-se sob a amoreira cantarolando "tou esperando na janela, ai ai" - embora janela ali não houvesse. Uma leoa - ou um leão, ninguém parou pra perguntar pra que time o bicho torcia - que havia acabado de caçar e comer um coelho aproximou-se dela, provavelmente pensando que fosse um forró. Apavorada [e quem há de recriminar?], a moça desembestou a correr floresta adentro niquiqui o véu que usava ficou esquecido debaixo da amoreira. A leoa pulou sobre o véu, mordeu, puxou, passou o focinho por baixo [leões não passam de gatinhos grandes], cansou e deitou.

Logo o rapaz chegou - e ao ver uma leoa deitada, com o véu ensangüentado de sua amada entre os dentes, creu que ali estavam os restos mortais daquela a quem ele levara a este fim. Em desespero ergueu sua espada [a dele] e enfiou no próprio peito, cometendo um auto-suicídio [esse povo era chegado num dramalhão mexicano, hein?]. Neste ínterim a moça volta cautelosamente de sua corrida pela floresta. Depara-se com a cena de seu amado agonizante ao lado da leoa com seu [dela] véu rasgado e ensagüentado e tudo compreende [senquisgóde, eu detestaria ter que explicar de novo]. Toma da espada de Píramo [ui] e auto-suicida-se também.

Os deuses, que a tudo viram [e nada fizeram para impedir, lerdos], se apiedaram e em honra dos dois amantes tornaram vermelhos os frutos da amoreira. Vou pensar nisso enquanto saboreio minha tortinha com geléia de amora.
;o)

E o polvo todo achando que Shakespeare era original.
;o)

1 Comments:

Blogger Antonio César Gomes da Silva said...

Gostei de sua versão e do bom humor. Vou contar aos alunos de minha escola. Acho que vão gostar da história.

12 de julho de 2008 às 00:06  

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