sexta-feira, julho 25, 2003

Quando eu tinha uns oito anos, minha família se mudou para uma casa verde. A casa, além de ser verde, nada tinha de excepcional a não ser o porão, a garagem de dois andares, os dois coqueiros enormes ladeando a entrada, um viveiro de maritacas, um de canários, o jardim de pedras e o fato de ser vizinha do diretor da escola. Não da escola onde eu estudava na época, ainda bem, mas diretor de escola é uma daqueles cargos que o indivíduo incorpora de um jeito que você imagina que a vida toda ele foi diretor de escola. Daqueles cargos que ele carrega até mesmo no feriado de Carnaval. Daqueles em que a primeira coisa que você ouve de manhã é "Como vão suas notas?". Daqueles que sempre te dão livro no aniversário. Daqueles que... Certo, já captaram a mensagem.

Apesar de tudo, ou porque eu era mesmo muito pequena [sim, já fui menor do que isso], eu gostava dele. Era um tipo bravo que não altera a voz e que todo mundo, até adulto muito maior, morria de medo de aborrecer. Um sujeito muito legal, foi ele quem deu a receita de licor de ovo de pata pro meu pai. Um licor que precisava ficar enterrado três dias, feito até com a casca do ovo, ô coisa fedorenta! E era pra mim, pros meus ossos. Tudo bem, mesmo assim eu gostava dele. Gostava tanto que nunca tive coragem de contar que a receita "perdeu-se" por aí.

Nenhum portão ficava trancado; portas, raramente. Uma ou duas vezes por dia era costume me encontrar no quintal vizinho, conversando com a sobrinha que eles criavam ou com a funcionária da casa, cozinheira de forno e fogão, que sempre aparecia com uma receita estalando de nova -- até quando a patroa cumpria dieta de pão e água. Ou melhor, de biscoito água e sal e água. Eu não entendia como ela conseguia sobreviver com quatro bolachinhas e uma colher de margarina e não cobiçar aquelas roscas trançadas, aqueles bolos de chocolate escorrendo coco ralado e leite condensado, aquelas carnes assadas de tudo que é jeito e formato. Bom, se ela não come, eu como, pensava.

E a mão da cozinheira Cida era ainda melhor nos pratos italianos. No meio de tantas massas e risotos, no entanto, a polenta temperada era a campeã de pedidos: tanto da família, para fazer, quanto das comadres pela receita. Folheando um caderno velho da minha mãe, quase vinte e dois depois, eis que encontrei a dita, com a letra da própria Cida:

Polenta Temperada

1 litro de leite
2 tomates picados, sem pele
salsa, cebola e pimenta picados
3 tabletes de caldo de galinha
1 colher (sopa) de manteiga

Coloque tudo em uma panela de pressão para ferver. Quando estiver fervendo junte 2 xícaras (chá) de fubá dissolvidas em meio litro de leite, mexendo para não empelotar. Tampe a panela e deixe cozinhando por meia hora com a pressão. Tire a pressão (*) e acrescente:

5 ovos batidos
3 tomates sem pele, picados
1 pacote de queijo ralado
2 colheres (sopa) de manteiga
salsa, cebola e 1 dente de alho esmagado

Pela quantidade dos ingredientes percebe-se que se trata de um misto de cozinha italiana com cozinha caipira: suculenta e farta.

* Por favor, "tirar a pressão" não é, neste caso, ir à farmácia e pedir pro atendente colocar aquela bombinha que mede a tal pressão diastólica ou sistólica ou não me lembro como chama... É apenas colocar a panela debaixo da torneira aberta e puxar o pesinho pra cima, até parar de chiar [a panela]. ;o)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Hummm...acho que vou dar uma fazidinha desta receita. Minha mãe tinha pavor de polenta, porque lembrava a pobreza nos cafezais, e por isso, nunca a preparou em casa, tadinha.

3 de fevereiro de 2009 às 11:41  

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