domingo, agosto 06, 2006

Sonhos de dez noites

Quando comecei a série de experiências oníricas esdrúxulas [ou eoe, para os mais íntimos] algumas pessoas acharam exatamente isso: esdrúxulo. Esquisito, bizarro. Para quem sonha, no entanto, aquilo faz todo o sentido do mundo e contar um sonho é uma forma de exteriorizar medos, desejos, loucuras - os psicólogos que o digam, hu?

Naquela época desconhecia Natsume Soseki, considerado um dos melhores romancistas japoneses. Inda desconheço, na verdade, já que só li a coletânea de pequenos contos Sonhos de dez noites [Yume Juuya, Japão, 1908]. São 70 das páginas mais difíceis de ler, que jogam uma carga emocional nas costas que às vezes parece pesada demais para carregar; o tom desesperançado, quase gótico, me fez terminar o livro debaixo do futon, apesar de ser um dia quente lá fora. Não bastasse tudo isso, o estilo do escritor [mesmo ameaçado por algumas escorregadas da revisão] fez-me sentir como o verme grudado às patas do inseto esmagado por seu pé quando lia algo parecido com:

-- Quando morrer, peço que me enterres numa cova aberta com a concha de uma madrepérola grande. Depois, marca o sepulcro com estilhaços de estrelas que caírem do céu. E fica à minha espera, junto dele. Um dia, virei ver-te novamente.

Sonhos de dez noites
Natsume Soseki
Aliança Cultural Brasil-Japão
1996
Trad. Antônio Nojiri
Ilustrações de Kagaku Murakami e Taikan Yokoyama