quarta-feira, março 24, 2004

Desenterrando o passado

O . V e r n á c u l o . e . S u a s . N u a n c e s

pro.so.po.péi.a sf (gr prosopopoiïa)
1 Ret Figura pela qual se atribui qualidade ou sensibilidade humana a um ser inanimado e se fazem falar as pessoas ausentes e até os mortos.
[...]
3 Personificação.
[...]

Fonte: Dicionário Eletrônico Michaelis

Falta de uso é mesmo uma coisa... Eu tinha esquecido qual a figura de linguagem para personificação - e isso era importantíssimo depois de ler o artigo sobre a onda de brutalidade contra nossos pobres amiguinhos, os computadores (*).

Já estava acostumada com gente que dá nome pro carro -- e conversa com ele -- por isso não foi um espanto tão grande assim. E também porque de vez em quando também sinto ganas de dar uns chacoalhões no Frank [diz 'oi' pro pessoal, Frank]. Especialmente quando estou nos 20% restantes de um download no Morpheus (**) e ele apresenta aquela mensagem simpática, 'Este programa executou uma operação ilegal e será fechado. Se o problema persistir, contacte o revendedor'. Primeiro porque sou uma pessoa direita e reta [mais reta que direita, mas enfim...]: obtive o programa da maneira mais legal [no sentido de legítimo, dentro da lei] possível, na própria página do desenvolvedor e através de dicas também legais [desta vez no sentido de 'cool']. Portanto, por que ilegal? E segundo porque se a ilegalidade da ação refere-se ao caráter 'uncool' do programa a mensagem deveria ser alguma coisa parecida com 'Este programa é chato, por isso vou fechá-lo arbitrariamente e você não tem outra alternativa a não ser aceitar caladinha e nem adianta reclamar. O desenvolvedor não vai te ouvir, mesmo. O quê? Você pagou por isso? Hahaha, que azar, hein?'.

Rapaz, um mundo dominado por máquinas ia ser mesmo ilegal...

Mas esse negócio de personificação não é privilégio das coisas inanimadas [embora eu não saiba se, neste caso, também é prosopopéia o nome da figura]. Esopo e La Fontaine [os das fábulas com moral] usavam bastante o artifício de conceder características humanas aos animais - ou melhor, pegavam um conjunto das tais características e escolhiam um animal que 'parecia' se adaptar a elas. Assim, a formiga era trabalhadora, a cigarra uma boêmia sem cura, a raposa um ser espertalhão e sem escrúpulos, etc. Pensando bem, desde antes dos dois tios acima os animais já eram usados para poupar os sentimentos humanos - lembrei disso ao digitar 'raposa', que na simbologia japonesa personifica uma pessoa na qual não se pode confiar, traiçoeira, fofoqueira, futriqueira, mexeriqueira, enxerida [ops... me empolguei]. É costume no Japão, principalmente nas pequenas cidades, as pessoas deixarem uma imagem da raposa bem na porta de entrada da casa para espantar os espíritos ruins [não me perguntem como uma entidade negativa espanta um espírito ruim, é lógica japonesa]. Pessoalmente, eu acho que não funciona. Ou então a raposa [Tanuuki] de casa veio com defeito de fabricação.

(*) Espancar micros virou epidemia
http://www.lycos.com.br/wired/cultura/01/06/05/cul_1.html?wf=terrabr

(**) Morpheus - software para compartilhar arquivos.
http://www.musiccity.com/

Por falar em La Fontaine, Esopo, essas coisas, tem um comercial de uma marca de cerveja que me faz rir desde o começo do ano. É aquela do caranguejo tostando [metaforicamente] na praia, junto da sua companheira caranguejinha, ambos morrendo de sede. O caranguejo corre até uma lata de cerveja gelada, suada, e com a ponta da pinça [é pinça aquilo, né, Randi?] faz um furo na lata. Muito galante, oferece o primeiro gole à caranguejinha. Enquanto ele bebe o humano acorda, vê a cena, fica deveras nervoso e ROSNA pro pobre caranguejo sarado [sim, ou não repararam na barriguinha toda bem delineada do bicho?]. O ser caranguejo corre até a beira da água e mergulha, não sem antes abaixar o calção e mostrar a marca do bronzeado. 'Na-na-na-na!' O engraçado dessa seqüência não ficou só na cara de pateta do ser rapaz, mas na animalização do humano que reagiu de maneira irracional ao ter seu alimento ameaçado. [Alimento, sim. Na Idade Média a cerveja era chamada de 'pão líquido', pela própria semelhança no fabrico e nos ingredientes. Cervejarias e padarias, aliás, eram construídas lado a lado nos monastérios e conventos - na proporção de três cervejarias para cada padaria. Povo esperto.]

Já a segunda seqüência do mesmo comercial não tem muita graça, por isso nem vou me deter muito na descrição. Agora só me falta lembrar a marca da cerveja que promove, porque esse detalhe eu não guardei...

Publicado originaldo em junho/01 no 700km. Frank morreu, foi substituído por Manoelito e atualmente brigo com Miguelito.