domingo, dezembro 21, 2003

Carpe Diem

Olhou para o lado: sim, ele estava ali. Lembrou-se de quantas vezes sonhou com isso, de quantas vezes desejou isso, e se acalmou.

No colégio era a amiga para todas as horas, a companheira intelectual perfeita, dizia. Intelectual? De que serviam neurônios e sinapses se tudo o que queria era ser linda de um modo que nem ele pudesse recusar? Sofreu quando ele se interessou por outra e se afastou. Chorava à noite e sorria de manhã... Afinal eram bons amigos.

Bons amigos também perdem o contato, ele justificava os meses de ausência. Às vezes aparecia com alguma namorada nova, às vezes sozinho. Muito pouco sozinho. Perguntava da vida amorosa dela, nunca a viu com um namorado. A garota ria; namorado? Já tinha um pai que controlava o que fazia, um irmão para brigar, um gato que a acariciava e depois irava as costas... Para quê namorado? Para quê namorado que não fosse ele?

Não foi à festa de despedida quando ele conseguiu emprego em outro país. Ia beber demais, ia passar vergonha, ia sofrer demais. Quanto tempo ficaria lá? Talvez para sempre... Te ligo quando for à Europa, a gente marca uma cerveja. E a sua namorada? Vão casar, claro. Claro, ela vai contigo. Ah, que bom, felicidades, boa viagem... Não posso ir à festa, já tenho outro compromisso, mas... Felicidades.

You've got a new mail. Ela procura o remetente e sente um frio na barriga: não pode ser! Tem vontade de pular e cantar, chora e ri ao mesmo tempo, esquece um pouco do trabalho como na canção. Notícias, como vai, o que tem feito, eu estou bem, saudades do Brasil... Quantos anos se passaram? Não escreve muito, não escreve sempre e é disso que ela segue vivendo.

Vou passar uns dias aí e pensei... A gente pode se encontrar? De repente ela tem medo. Justo agora que estava quase conseguindo esquecer -- o que ele queria tanto conversar? Não seria sobre as noites que passou chorando, das saudades sem esperança, do rosto que ainda guardava nos olhos... Desejando um homem que não pode ter, procurando um pouco dele em outros homens. Injusto: eles sempre perdem.

Olhou para o lado: sim, ele estava ali. Lembrou-se de quantas vezes sonhou com isso, de quantas vezes desejou isso, e se acalmou.

"Feliz é o que você vai perceber que era, algum tempo depois".
[Millôr Fernandes]

dez/2000