domingo, maio 25, 2003

Advertência: Emerson, não leia.

O Mundo às Costas de Uma Tartaruga
Sábado, 03 de Maio de 2003

Rita Pimenta

Um planeta plano e circular apoia-se em quatro elefantes que habitam
sobre a carapaça de uma tartaruga gigante. Onde esta se apoia é um
mistério, outro é o seu sexo - feminino, masculino, ambos ou nenhum?

Eis Discworld, um universo em que se passeiam dezenas de personagens
fantásticas, cruéis e cheias de sentido de humor. Façam o favor de
entrar.

Primeiro, atentem às recomendações de Terry Pratchett, o autor: "Não
há mapas. Não é possível mapear o sentido de humor. Seja como for, o
que é um mapa de fantasia senão um espaço para lá do qual há dragões?
No Discworld, sabemos que há dragões por todo o lado. Pode ser que
nem todos tenham escamas e línguas bifurcadas, mas estão cá, podem
apostar, a sorrir, a acotovelar-se e a tentar vender-
lhes 'souvenirs'."

Tudo se passa na cosmopolita cidade de Ankh-Morpok, a mais animada do
Disco e a de maiores pretensões à notoriedade. A chegada de um
turista (o primeiro que alguma vez visitara a cidade), vindo de um
território distante, provocará grandes alterações no quotidiano dos
habitantes de Ankh-Morpok. Que o diga Rincewind, o feiticeiro
desastrado que lhe irá servir de guia.

Twoflower, o turista, provém do Continente do Contrapeso e viaja com
uma arca de madeira de pereira-sapiente que se desloca sozinha, pois
muitas perninhas saem da sua base. É completamente ingénuo e tem como
propósito nesta visita cruzar-se com um bárbaro genuíno. Na arca
transporta ouro, muito ouro, que no seu país de origem pouco ou nada
vale.

As aventuras que ambos vão viver deleitam o turista e desesperam o
feiticeiro, especialista em "resolver qualquer pequeno problema
transformando-o num desastre de grandes dimensões".

O autor de "A Cor da Magia" criou um universo paralelo que vai
reflectindo o nosso, tudo mergulhado em ironia, clarividência e
crítica mordaz. Nalguns casos, a ridicularização de comportamentos
humanos é construída de modo tão inteligente e divertido que não se
conseguem evitar umas boas gargalhadas.

Segundo a crítica estrangeira, à medida que a colecção avança (já vai
em 24 títulos, com tradução em 20 línguas e milhares de exemplares
vendidos), os livros vão sendo cada vez mais bem conseguidos. O que
poderá atribuir-se não apenas ao mérito do autor, que se aperfeiçoa,
como à crescente familiaridade que o leitor vai ganhando com as
inúmeras personagens e à mais imediata descodificação do ambiente
fantástico em que as narrativas acontecem.

Para se entrar neste "A Cor da Magia", é preciso estar atento e com
vontade de avançar. Talvez por isso esta não seja uma colecção
indicada para as idades mais baixas do universo juvenil. Quanto aos
adultos, sobretudo os que se souberem pôr em causa e se predispuserem
a desbloquear a sua própria imaginação, vão adorar.

Terry Pratchett nasceu em 1948, em Beaconsfield, Bucks. Publicou "A
Cor da Magia" em 1983, foi premiado em 1993 com o Writers Guild
Award, em 1996 com o Smarties Prize Silver Award e em 2001 com o
Carnegie Medal. Em 1996, um por cento do total de livros vendidos na
Grã-Bretanha era dele.

A tradução para português, que se percebe ter sido difícil, é
competente. Mesmo nas notas de rodapé a que não pôde fugir, Mário
Dias Correia foi claro e soube manter o tom bem-disposto da obra.

Para terminar este passeio pelo universo Discworld, registe-se mais
uma explicação do autor: "O mundo viaja pelo espaço às costas de uma
tartaruga. É um dos grandes mitos antigos, que ressurge onde quer que
homens e tartarugas se juntem; os quatro elefantes foram uma
sofisticação indo-europeia. A ideia tem jazido esquecida nos sótãos
da História há séculos. Tudo o que tive de fazer foi deitar-lhe a mão
e safar-me antes que o alarme começasse a tocar."

Com as devidas desculpas aos fãs da saga Harry Potter, depois de se
conhecer Discworld, aquele aprendiz de feiticeiro mostra-se um
sensaborão.

A Cor da Magia
Autor Terry Pratchett
Tradutor Mário Dias Correia
Editor Temas e Debates
254 págs., €12,95
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Estão a ver qual vai ser minha próxima aquisição?

É tudo culpa do Tio Nuno!!